Antes de iniciar o projeto de desenvolvimento de um novo ativo digital agropecuário, é importante atentar-se a algumas orientações e diretrizes. Respeitá-las irá mitigar a necessidade de ajustes e refatorações no momento da qualificação, transferência e lançamento do produto de software. São elas:

  1. Evite a fragmentação de ativos digitais;
  2. Formalize o projeto de desenvolvimento no SEG;
  3. Busque parceiros para o desenvolvimento e sustentação;
  4. Respeite o Guia de Identidade Visual e Uso da Marca;
  5. Tenha muita atenção no tratamento de dados pessoais;
  6. Não se esqueça da documentação técnica;
  7. Evite marketplaces de terceiros;
  8. Defina o nível de maturidade a ser alcançado;
  9. Atribua licenças de código aos componentes do ativo; e
  10. Registre o ativo digital no INPI.

1. Avalie se faz sentido realmente um novo ativo digital

Sendo a Embrapa uma instituição de pesquisa, é nosso papel desenvolver soluções inovadoras para problemas da agropecuária brasileira. Entretanto, uma vez que estas soluções nascem a partir de ideias de grupos de pesquisa autônomos, somos de certa forma incentivados a criar soluções independentes, com foco em resolver o problema em questão. Ocorre que, muitas vezes, tais soluções poderiam agregar valor a outros produtos da Empresa, já lançados para o público ou mesmo que ainda estejam em desenvolvimento. Diversas soluções digitais da Embrapa, até mesmo por seu domínio comum no agronegócio, tendem a ser complementares.

Quando optamos por desenvolver novos produtos ao invés de complementar outros existentes, estamos ampliando a “fragmentação” de soluções tecnológicas da Empresa. Isso pode afetar negativamente a imagem da Embrapa para seu público final, uma vez que para resolver problemas correlatos para uma mesma cadeia de produção agropecuária, o produtor rural ou técnico agropecuário terá agora que utilizar diversos softwares desacoplados que não compartilham informações entre si, sendo forçado a lidar com um ambiente muitas vezes desnecessariamente mais complexo.

Assim, sempre que as equipes de desenvolvimento de ativos digitais forem acionadas para iniciar a produção de uma nova solução, é fundamental que sejam buscadas tecnologias correlatas no catálogo dos ecossistemas digitais agropecuários em que a problemática está inserida. Nesta prospecção e análise crítica, deve-se questionar se não existem soluções neste catálogo que poderiam ser complementadas com novas funcionalidades para atender à demanda. Desta forma, agrega-se valor ao produto existente ao mesmo tempo em que é aproveitado o engajamento do público cativo desta solução original.

Em termos práticos, sugere-se que seja criada, por meio de uma nova rodada evolutiva, uma nova macro-versão do ativo digital existente. Como exemplo prático, temos o estudo de caso do software PlanePasto, uma solução que foi inicialmente idealizada e implementada pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Em 2023, o grupo de pesquisa em melhoramento de cultivares de pastagens tropicais da Embrapa foi procurado por professores da UFSJ para o desenvolvimento conjunto de uma nova versão desta tecnologia, visando agregar resultados de pesquisa científica da Empresa. Ao invés de uma solução autônoma, foi iniciada uma nova rodada evolutiva do aplicativo Pasto Certo, então na versão 3.0, que resultou no desenvolvimento do Pasto Certo 4.0 com uma nova funcionalidade, denominada “Dimensionar Piquetes”.

Funcionalidade 'Dimensionar Piquetes' do Pasto Certo 4.0

Atenção! Para lidar com questões de propriedade intelectual que possam ser impactadas pelas decisões acima, considere estratégias como o uso de “micro-frontends”, que é descrita na seção sobre integração de ativos digitais.

A mitigação da fragmentação traz também diversos outros benefícios, tal como a otimização das equipes de desenvolvimento, a facilitação da sustentação e a maior entrega de valor pelo produto que, por sua vez, poderá facilitar sua transferência para parceiros da iniciativa privada.

2. Formalize o projeto de desenvolvimento no SEG

O Sistema Embrapa de Gestão (SEG) é o instrumento que estabelece as bases para a gestão do macroprocesso de inovação da Embrapa. Na prática, ele é “materializado” por meio dos softwares Ideare, Integro e Gestec, de acesso restrito aos empregados da Embrapa.

Ativos digitais agropecuários muitas vezes são desenvolvidos nas Unidades Descentralizadas da Embrapa de forma ad hoc, ou seja, sem o formalismo dispendido a outros tipos de tecnologias da Empresa. Com isso, tem-se um catálogo de softwares vasto, fragmentado e, muitas vezes, com produtos de baixa qualidade, que não tiveram o planejamento adequado e o provisionamento a priori de recursos financeiros e humanos para seu desenvolvimento.

Assim, antes de iniciar o projeto, articule e defina uma equipe de desenvolvimento e, juntamente com estes pares, faça a previsão de recursos financeiros, monte o cronograma de desenvolvimento e detalhe as atividades do processo. Esta formalização deve ser feita, preferencialmente, como um novo projeto no Ideare ou, pelo menos, como uma nova atividade incluída em um projeto.

É importante que as equipes de TI de desenvolvimento de software (arquitetos de solução, engenheiros de software, analistas de requisitos e programadores) aproveitem este momento para negociar com o demandante e a chefia, visando garantir recursos essenciais para o desenvolvimento do ativo digital (tal como, alocação de horas, workstations de desenvolvimento, componentes de hardware, estagiários/bolsistas, fábricas de software, materiais de consumo, etc).

3. Busca antecipada de parceiros co-titulares

É desafiador articular e provisionar os recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento de um ativo digital. Sua natureza complexa demanda o envolvimento de especialistas em uma equipe técnica multidisciplinar altamente qualificada. Entretanto, mais desafiador ainda é sua sustentação ao longo de todo seu clico de vida.

A sustentação de um software envolve atividades como manutenções corretivas e evolutivas, monitoramento, segurança, suporte ao usuário, backup e recuperação, avaliação de desempenho e qualidade, dentre muitas outras. Estas atividades precisam ser realizadas durante toda a vida do ativo digital, desde de sua publicação inicial até o término de seu uso.

Sabemos que as equipes de desenvolvimento de software da Embrapa são escassas e, por conta disso, é fundamental adotarmos estratégias que permitam à Empresa otimizar estes valiosos recursos humanos de forma que possam estar disponíveis para responder rapidamente a novas demandas digitais da agropecuária brasileira.

Assim, de forma geral, os ativos desenvolvidos devem focar na transferência tecnológica, buscando parceiros da iniciativa privada que possam auxiliar na sustentação e ampliação da entrega de valor para os usuários finais. Para tal, recomenda-se começar a busca ativa destes parceiros antes mesmo do início de sua concepção, de forma que tais entes externos possam contribuir antecipadamente com inputs intelectuais e com o ônus do desenvolvimento, tornando-se co-titulares na propriedade intelectual do ativo.

Atenção! Para que um ativo digital seja qualificado e lançado em estágio de maturidade TRL 8 ou 9 é importante que haja um contrato de parceria com a iniciativa privada que garanta sua sustentação ou que ele esteja inserido em um programa de governo que garanta o provisionamento perene da equipe de desenvolvimento. Para exemplificar, o aplicativo Zarc - Plantio Certo se enquadra neste último caso, porém esta alternativa é a exceção e não a regra.

É importante que estes parceiros, quando entes da iniciativa privada, tenham interesse na comercialização posterior do ativo ou em utilizá-lo para agregar valor ao seu negócio, vindo a compor o core business da empresa. Haverá assim um incentivo em monetizar seu uso e, consequentemente, garantir a sustentação ao longo de todo o seu ciclo de vida. Para exemplificar, os aplicativos do Programa Geneplus (sumários de touros para as raças Nelore, Senepol, Canchim e Hereford & Braford) foram desenvolvidos no âmbito da parceria com a Embrapa e fazem parte do catálogo de produtos da empresa Geneplus, sendo mantidos por esta. Perceba que estes ativos não são “comercializados” pela empresa, estando disponíveis para uso gratuito. Porém, entregam valor aos clientes do Programa Geneplus ao possibilitar o acesso facilitado, detalhado e interativo aos catálogos de touros.

Atenção! Enquanto o ativo não tiver esta parceria para apoiar sua sustentação, é primordial que a Unidade Descentralizada responsável encontre meios de executar minimamente, com sua equipe interna de desenvolvimento de software, as manutenções corretivas e evolutivas para garantir, pelo menos, a cibersegurança e a adequação do ativo a novas leis, políticas, regulamentações e outras determinações legais, da Embrapa e dos marketplaces em que a solução está disponibilizada. Conforme veremos a seguir, a falta de atualizações periódicas (pelo menos anual) ocasiona sua desativação na loja virtual da Google, por exemplo.

4. Guia de Identidade Visual e Uso da Marca Embrapa

Desde o início do desenvolvimento do ativo digital, deve-se prezar pelo bom uso da Marca Embrapa e pelas diretrizes de identidade visual das interfaces com o usuário. Para orientar neste aspecto, leia o Guia de Identidade Visual para Aplicativos Mobile, onde estão definidas as diretrizes de uso da Marca nos ativos, paletas de cores, áreas de sangria, formato dos ícones, etc.

Atenção! O respeito às diretrizes de uso da Marca e do Guia de Identidade Visual é objeto de avaliação durante o processo de qualificação do ativo digital e poderá invalidá-lo ou exigir a refatoração de sua UX/UI.

Em caso de dúvidas, é possível recorrer ao “Guardião da Marca Embrapa”, que é o empregado na Unidade Descentralizada encarregado de revisar a aplicação do uso da Marca Embrapa e assinatura do Governo Federal ou Instituições Patrocinadoras, Apoiadoras, Parceiras e Coeditora, conforme normas vigentes do Manual da Marca Embrapa.

5. Coleta e tratamento de dados pessoais

Desde sua promulgação em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) alterou drasticamente a forma como lidamos com dados pessoais coletados em ativos digitais. Uma série de cuidados são exigidos, que tendem a criar um grande ônus de tratamento deste dados. Assim, deve-se avaliar minuciosamente, antes e ao longo do desenvolvimento do ativo digital, se é realmente necessário realizar a coleta de dados pessoais dos usuários.

Caso este seja de fato um requisito do software, leia a documentação sobre este tema e antecipe as atividades essenciais para sua viabilização (tal como a homologação pela Assessoria Jurídica dos “Termos de Uso” e “Aviso de Privacidade”).

De outra forma, caso não haja coleta e tratamento de dados pessoais, disponibilize na interface do ativo (se aplicável) o aviso de privacidade para aplicativo móvel sem coleta de dados pessoais.

6. Documentação técnica dos ativos digitais

A plataforma Embrapa I/O implementa diversos mecanismos de apoio à redação e disponibilização de documentação pública e privada para os ativos digitais:

A documentação é uma parte essencial do processo de desenvolvimento de software, pois ajuda a garantir a qualidade, a manutenção, a evolução e a sustentação dos produtos. Portanto, é essencial que as equipes de desenvolvimento não ignorem esta etapa do processo de produção dos ativos digitais agropecuários.

Big picture da plataforma +Precoce

Vale salientar que, durante o processo de qualificação do ativo digital, será demanda a arquitetura da solução (big picture), com a visão geral dos componentes do software, tecnologias utilizadas, como se relacionam, a licença atribuída a cada um e suas interfaces com outros ativos (caso exista). Na figura acima é mostrada, como exemplo, a big picture da arquitetura do ativo digital +Precoce. Outro exemplo é a própria página de arquitetura da plataforma Embrapa I/O.

7. Distribuição em marketplaces

Equipes que possuem aplicativos publicados na Google Play têm recebido alertas sobre o “requisitos de nível desejado da API”. Este aviso está relacionado a uma mudança na política deste marketplace, que agora exige que “o nível da API do Android tenha no máximo um ano de diferença em relação à versão mais recente”.

Na prática a Google Play está exigindo que todos os apps disponibilizados tenham pelo menos uma nova build por ano, na qual as bibliotecas básicas do Android sejam atualizadas (ainda que não haja outras manutenções corretivas/evolutivas). Isso força os desenvolvedores a, no mínimo, revisitar e atualizar pacotes depreciados, aprimorando a segurança e qualidade do catálogo da Google Play como um todo. A consequência para a não-atualização anual é que estes apps deixem de ser listados para novos usuários (continuando disponíveis, por tempo indeterminado, para quem já tem eles instalados).

Consequentemente, o efeito prático é um ônus ainda maior para sustentação do ativo (que corrobora com o assunto tratado anteriormente). Assim como a Google Play, outros marketplaces como a Apple App Store possuem políticas semelhantes. Por conta disso, a recomendação é que novos aplicativos, que não tenham parcerias para sua sustentação (ou seja, sejam Beta Release - TRL 7), sejam desenvolvidos no formato de aplicações web responsivas — preferencialmente PWAs (do inglês, Progressive Web Applications) ou SPAs (do inglês, Single-Page Applications).

Atenção! Caso a disponibilização em marketplace seja realmente o melhor caminho, considere nomear o pacote no padrão br.embrapa.nome_do_app. Em muitos casos, tal como na Google Play, este nome não poderá ser alterado posteriormente. Como este nome é utilizado na composição da URL do produto de software no catálogo do marketplace, esta decisão tem grande impacto em ferramentas de busca (veja sobre Search Engine Optimization - SEO para mais detalhes).

8. Nível de maturidade TRL a ser atingido

É necessário que a equipe de desenvolvimento defina o nível de maturidade na Escala TRL a ser atingido. Para isso, é fundamental estar pacificado o conceito de rodadas evolutivas no desenvolvimento de ativos digitais.

Ao contrário de outros tipos de tecnologias, é possível o lançamento de ativos digitais em TRL 7, ou seja, em versão “Beta”. Consequentemente, também é possível divulgar softwares em TRL 7 no catálogo de tecnologias do portal da Embrapa.

Conforme comentado anteriormente, o atingimento de níveis mais altos de maturidade tecnológica (TRL 8 e 9) dependem da formalização de parcerias que garantam a sustentação do software e potencializem a sua adoção, preservando a imagem da marca Embrapa. Leia as orientações específicas sobre a Escala TRL e distribuição de MVPs para maiores detalhes.

Identidade visual de aplicativo em Beta Release

Ativos digitais em Beta Release (TRL 7), devido à instabilidade inerente, devem ter uma preocupação adicional com os seguintes aspectos:

  • Sejam identificados como “Beta” em sua interface, informando ao usuário final dos riscos e limitações. Um exemplo de ajuste na identidade visual pode ser visto na figura acima. Ao clicar na faixa de “BETA” (canto superior direito), uma janela de diálogo com um disclaimer é apresentada ao usuário. Nesta janela, além do aviso sobre a maturidade do ativo, existe uma chamada para eventuais parceiros e um canal de comunicação. Esta orientação se aplica a qualquer software que tenha uma interface de usuário (aplicativos móveis, aplicações web e softwares desktop).

  • Também recomendamos fortemente que softwares em TRL 7 que coletem dados de usuário tenham funcionalidades que permitam o backup destes dados pelo próprio usuário (preferencialmente em um formato legível, tal como planilhas Excel), bem como sua restauração posterior. Lembramos que, pela LGPD, o usuário pode a qualquer momento apagar seus dados pessoais do sistema. Além disso, dado que se trata de uma versão Beta, é salutar que o usuário tenha a possibilidade de salvaguardar seus dados de qualquer instabilidade do software.

  • Por fim, conforme já comentado, reforçamos a recomendação de que ativos neste nível de maturidade sejam disponibilizados publicamente sem o uso de marketplaces de terceiros.

9. Atribuição de licenças de código

A equipe de desenvolvimento, em acordo com a área de negócios e a chefia, deverá estabelecer e atribuir licenças de código para os diversos componentes que formam o ativo digital agropecuário desenvolvido. Para maiores detalhes, leia a documentação específica sobre licenças de distribuição e derivação dos ativos digitais.

10. Registro do ativo digital no INPI

Por fim, será necessário realizar o registro (ou depósito) do código-fonte dos componentes de software que compõem o ativo digital agropecuário. Para maiores detalhes, leia o artigo sobre registro de software junto ao INPI.